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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Sonhos de um peixe voador



Um dia disseram que o que escrevo não é nada demais.
O que fazer se o que é exposto no texto reflete apenas o que se viveu?
A vida é ordinária, ora bolas. A minha, então, nem se fala.

Cuspi-la em palavras é atrevimento, é sonho, é tarefa doce de desfazer e refazer os fatos à medida que se quer, com a liberdade que se tem. Reconstruir a existência com ajuda de apenas 26 letras do alfabeto não é lá grande coisa, mas alivia qualquer suposto peso que eu carrego.

Escrever é se exibir. Ler é espiar. Talvez por isso, ainda que na ditadura feroz da imagem, a leitura sobreviva. Ler é observar pela fechadura algo que nos traga a falsa sensação de que há alguma coisa em comum com outras pessoas no mundo.

"Bah, aquele cara disse algo que eu diria/faria/pensaria ou já disse/fiz/pensei".

Um dia disseram que eu não escrevo nada demais, como se julgamentos fossem modificar a minha estranha vontade de comunicar, mesmo que seja coisa nenhuma a ninguém.

Tenho uma memória difusa que mistura o lido, o vivido e o assistido em imagens truncadas. É dela que me sirvo nessa escrita vira-lata. Nada demais, mas tão necessária pra que eu continue firme no duelo entre sobreviver e manter a cota mínima de sonhos, mergulhos e voos, embora haja muitas noites de insônia em que o mar não está para peixes voadores.

O passado é uma poeira



"O passado é uma roupa que não nos serve mais"

Não. O passado não é uma roupa que não serve mais, Bechior.

O passado é tudo que se construiu antes do agora e paralisou no que se é, se faz, se pensa, se indigna, se emociona, se comove.

Se posiciona para se mover para outros lugares, além da estrada que se evita retomar ou até se percorre pelo mesmo caminho, mas com os olhos de quem experimentou e conhece as consequências.

É muito provável que sejamos todos apenas uma junção de tudo o passamos por esta vida. Tudo que acertamos e erramos em um acúmulo que criou cicatrizes e buracos na alma, que fortaleceu ou enfraqueceu as ideias que já foram novidade, que nos obriga a conviver com quem fomos ontem.

O passado, Belchior, não é uma roupa. É a poeira grudada sobre a pele impossível de remover. Nela submergiremos, transformados em pó, quando o tempo terminar e não houver diferença de hoje, ontem e amanhã.