Não lembro ao certo como aconteceu, mas não esqueço do fato
que serviu de motivação para escrever este texto. Um emaranhado de palavras
grosseiras foram atiradas contra mim no estacionamento de um shopping. Não me
recordo exatamente o que foi dito. Também pudera, eram adjetivos quase incompreensíveis aos meus ouvidos pela
velocidade que saíram da boca do cidadão. Eu não havia feito nada de tão grave
para receber aquelas pancadas verbais tão ferozes. Talvez um pequeno deslize,
mas nada que justificasse aquele show de retaliação. Anteriormente, ao me ver em situações semelhantes, com ou
sem razão, eu tratava logo de revidar, no mesmo nível. “Levar desaforo pra
casa? Eu? Nem pensar”.
Mas o dia estava ensolarado.
Era sábado.
Eu estava bem acompanhado.
Quer saber? Vou fazer diferente. “Pode embrulhar este
desaforo para viagem. Eu vou levar!”. Então eu fiz um sinal de positivo, subocando, simultaneamente,
um pedido de desculpa. Foi assim que
terminei o enredo antes do previsto. Foi
desse jeito que evitei o nascimento de mais um desaforo no mundo. Foi nesse dia
que decidi abandonar o famoso “toma lá, dá cá”.
O agressor (agressão verbal ainda é agressão), ao perceber a
minha reação, entre o sorriso sem graça de quem
estava aceitando a minha retratação e a vergonha no olhar ao analisar o baixo nível
de seu discurso, disse: “tudo bem. Essa movimentação aqui é estressante”. E deu uma risadinha murcha, caminhando na
direção contrária como uma criança consciente de ter quebrado o vaso mais
valioso de sua mãe.
Quando estamos felizes com o que e quem
nos cerca, quando estamos bem resolvidos com as nossas escolhas e ações, deixamos de
superestimar as conclusões precipitadas que fazem
sobre nós. Vão pensar que sou um idiota por não ter respondido à altura? Tanto
faz. A estatura minúscula do discurso que ouvi não me apetece.
Rebater uma ofensa é dar à luz a um novo desaforo. O mundo já
está lotado de grosserias e não há espaço para mais. Prefiro carregar o maldito desaforo comigo do
que entregar para alguém que arremessa o peso de
seus problemas e a sua agressividade impulsiva contra os outros sem nenhum
sentimento de culpa, e que talvez não tenha espaço
ou paciência para mais nenhum desaforo consigo. E é aí que mora o perigo.
Eu não me importo mais em
levá-los para casa. Melhor assim do que deixá-los em mãos erradas. De herança ao mundo, começo a fazer a minha parte. Mais
gentileza, menos grosseria.
Não há razão em dar o troco numa
moeda que não tem valor algum.
Há lições que vêm depois de
muitos erros. Quase nunca em tempo hábil para serem usadas por nós mesmos. Dessa vez deu. Eu levei um desaforo para casa
e não doeu.