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quinta-feira, 5 de junho de 2014

A fome do carente.


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Ah, o carente.

Mal deseja e já quer consumir.
Antecipa os sentimentos desprezando todo aquele conceito de construção.
Recém plantou e já parte para a colheita.

Confesso que não sei lidar com filantropia amorosa.
Amor não é caridade. Amor é honra ao mérito.

Contudo, amor também é alimento para a alma. O carente é um desnutrido.
Um faminto emocional que age com euforia descomunal quando um banquete lhe é ofertado. Qualquer migalha vira padaria.

O carente não aprendeu a saborear. Devora com a naturalidade de quem não se alimenta há semanas.
A estética dos seus atos perde a relevância. Saciar-se é o objetivo.
Rasga o pacote com força, sem seguir as indicações de abertura.

Pois que me permitam defender o carente e suas motivações.
Ele não teve aulas de etiqueta para o amor.
Não condene. Isso tudo é só fome.


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terça-feira, 3 de junho de 2014

Não é você. Sou eu.





O problema é que você nunca me fez perder a respiração, nem por um segundo sequer, nem na primeira vez em que veio ao meu encontro.

O problema é que você nunca foi o sinônimo de uma música, a ponto de me fazer fechar os olhos e rememorar nossas pequenas situações cotidianas cada vez que a melodia tocasse.

O problema é que você nunca me causou contrações no estômago por culpa de uma ligação não recebida. Nunca me fez brincar de “digita-apaga-escreve-reescreve” antes de enviar uma mensagem, na procura da colocação perfeita, imaginando a tua reação durante a leitura.

O problema é que você nunca apareceu nas minhas viagens ao futuro. Nunca apresentou um presente mais forte do que o passado.

Apesar de tudo isso, eu estaria mentindo se dissesse que o problema é você.

O problema sou eu, que não navego mais em barco de papel. Eu já conheço a força das tempestades.

O problema sou eu, que, no meu universo particular e clichê, vivo rabiscando histórias de amores cinematográficos e sei que você não se adaptaria ao papel de protagonista.

O problema sou eu, que não quero oferecer o meu abraço como moradia por saber que, cedo ou tarde, te deixarei desabrigado.

Não brigue, não me julgue.
Problema mesmo é quem alimenta amores fajutos.
Desamor honesto é solução.




quarta-feira, 28 de maio de 2014

O dia em que levei um desaforo para casa.




Não lembro ao certo como aconteceu, mas não esqueço do fato que serviu de motivação para escrever este texto. Um emaranhado de palavras grosseiras foram atiradas contra mim no estacionamento de um shopping. Não me recordo exatamente o que foi dito. Também pudera, eram adjetivos quase incompreensíveis aos meus ouvidos pela velocidade que saíram da boca do cidadão. Eu não havia feito nada de tão grave para receber aquelas pancadas verbais tão ferozes. Talvez um pequeno deslize, mas nada que justificasse aquele show de retaliação. Anteriormente, ao me ver em situações semelhantes, com ou sem razão, eu tratava logo de revidar, no mesmo nível. “Levar desaforo pra casa? Eu? Nem pensar”.

Mas o dia estava ensolarado. 

Era sábado.  

Eu estava bem acompanhado.

Quer saber? Vou fazer diferente. “Pode embrulhar este desaforo para viagem. Eu vou levar!”. Então eu fiz um sinal de positivo, subocando, simultaneamente, um pedido de desculpa. Foi assim que terminei o enredo antes do previsto. Foi desse jeito que evitei o nascimento de mais um desaforo no mundo. Foi nesse dia que decidi abandonar o famoso “toma lá, dá cá”.

O agressor (agressão verbal ainda é agressão), ao perceber a minha reação, entre o sorriso sem graça de quem estava aceitando a minha retratação e a vergonha no olhar ao analisar o baixo nível de seu discurso, disse: “tudo bem. Essa movimentação aqui é estressante”. E deu uma risadinha murcha, caminhando na direção contrária como uma criança consciente de ter quebrado o vaso mais valioso de sua mãe.

Quando estamos felizes com o que e quem nos cerca, quando estamos bem resolvidos com as nossas escolhas e ações, deixamos de superestimar  as conclusões precipitadas que fazem sobre nós. Vão pensar que sou um idiota por não ter respondido à altura? Tanto faz. A estatura minúscula do discurso que ouvi não me apetece.

Rebater uma ofensa é dar à luz a um novo desaforo. O mundo já está lotado de grosserias e não há espaço para mais. Prefiro carregar o maldito desaforo comigo do que entregar para alguém que arremessa o peso de seus problemas e a sua agressividade impulsiva contra os outros sem nenhum sentimento de culpa, e que talvez não tenha espaço ou paciência para mais nenhum desaforo consigo. E é aí que mora o perigo.

Eu não me importo mais em levá-los para casa. Melhor assim do que deixá-los em mãos erradas. De herança ao mundo, começo a fazer a minha parte. Mais gentileza, menos grosseria.

Não há razão em dar o troco numa moeda que não tem valor algum.

Há lições que vêm depois de muitos erros. Quase nunca em tempo hábil para serem usadas por nós mesmos. Dessa vez deu. Eu levei um desaforo para casa e não doeu.

terça-feira, 13 de maio de 2014

POR MIM. PARA MIM.

Se eu pudesse me dar um conselho há dez anos, pediria cautela ao garoto tímido, insosso e retraído que fui. Pediria para prestar mais atenção nas pessoas ao redor, porque os vinte chegam voando e os trinta deverão chegar na mesma velocidade. Quando se nota, o tempo acabou e você não respondeu todas as questões, não se redimiu com quem deveria, nem disse o que precisava. A vida passa muito mais rápido do que qualquer relógio possa contar.
Pediria para ter mais perseverança e alguma fé, seja lá no que for, porque viver incrédulo e pasmo com o mundo não é vantagem pra ninguém. Pediria para fazer somente o que agrega brilho ao olhar e fazer daquilo seu impulso inicial para vida, porque ganhá-la fora do que se ama realmente é triste demais.
Pediria àquele ‘nerdzinho’ silencioso para não se abater com as pedradas, afinal, é assim mesmo o caminho. Pediria ainda para ser menos medroso diante do que é preciso ser enfrentado, conquistado, domado.
Se pudesse, daria uns tapas naquele guri e diria "acorda, porra!". Pagaria uma bebida escondido e diria que os anos serão duros, mas bacanas também. Diria que o amor está por aí, mesmo quando sem tanta nitidez, pra não se preocupar porque ele viria em formas de pessoas tão especiais quanto complicadas a confundir aquela cabeça que já tendia para a multiplicação e intensidade.
Se eu pudesse me dar um conselho, eu me diria que, em dez anos, não me tornaria a pessoa exemplo, muito menos já estaria no auge do sucesso. Mas quem se importa? Em dez anos, você vai aprender que olhar para tudo isso sem o sentimento de frustração é o que vai te manter nos eixos. Não vai ter ganho o Nobel, nem o Cannes, nem na mega sena, mas aos 24 terás tuas pequenas conquistas, teus ideais, teus refúgios, teus amigos, teus lugares prediletos, tuas histórias para contar, teus erros para tentar corrigir e bondades para acalmar a alma.
Se eu pudesse me dar um conselho há dez anos, diria seja corajoso e forte, continue, permita-se chorar um pouco mais. Não vai ser tão bom, nem tão ruim, mas é assim mesmo. Tira essa cara amarrada e aprenda a rir sem medo de mostrar os dentes. Escreva mais, porque isso é o que vai te salvar. Evite gente que não vale a pena. Faça um esforço para manter os seus por perto. Vai dar tudo certo. E mesmo que não dê - ou não tenha dado ainda - é possível refazer quase tudo, a qualquer hora, embora o tempo seja tão curto.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

(S)EM SINTONIA




Comecei a escrever um livro. Você só queria ler uma frase.
Roteirizei uma série. Você, um trailer.
Emoldurei o presente já pintando o futuro. Você ainda rabiscava o passado.
Preparei um banquete. Você já estava saciado.
Indiquei uma autoestrada . Você buscava um atalho.
Comprei passagens como se estivéssemos em férias. Você embarcou em fuga.
Ofereci moradia. Você veio apenas dar uma passadinha.
Todo início é um andar em corda bamba. Nos faltou equilíbrio.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

EU NÃO MINTO, VAI PASSAR.




Olhe, não fique assim não, vai passar. Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai suportar, mas suporta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar. Dor é assim mesmo. Arde, depois passa. Que bom. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. A gente acha que não vai aguentar, mas aguenta. Pense assim: agora tá insuportável, agora você queria abrir um zíper e sair do corpo. Encarnar numa planta, virar um paralelepípedo ou qualquer coisa inanimada, anestesiada, silenciosa. Mas agora já passou. Agora já é dez segundos depois da frase passada. Sua dor já é dez segundos menor do que duas linhas atrás. Nesse momento, você não percebe isso porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma uma cerveja, fala besteira com algum amigo, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá lá longe. A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, essa sensação de que pegaram seus órgãos e torceram como uma toalha molhada, isso tudo - é difícil de acreditar, eu sei - vai virar só uma lembrança, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias. Levanta daí. Liga para um amigo, vai dar uma volta, veja pessoas, escute histórias. Quando você for ver, passou. Agora não dá mesmo pra ser feliz. É impossível. Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre? Isso é bobagem. 'É melhor viver do que ser feliz'. Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, eu sei como dói. Mas passa. Tá vendo a felicidade ali na frente? Não, você não tá vendo, porque tem uma montanha de dor na frente. Continue andando. Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço. Vai querer desistir, mas não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo da montanha a dor começa a diminuir e o único jeito de deixá-la pra trás é continuar andando. Você vai ser feliz. Provavelmente sofrerá de novo, mas por novas dores, novas feridas. Tá vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto de agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que tô falando a verdade. Eu não minto. Vai passar.